A difícil paz
<h3 class="post-title subpt"></h3><div class="quoteblock"><div class="quotetext"></div></div><p>Estive em Israel e na Palestina, na última semana de agosto, em missão de um grupo criado por Nelson Mandela (os Elders) para atuar em defesa da democracia, da paz e dos direitos humanos. Fazem parte dele pessoas que não estão ligadas a governos, embora muitas delas tenham ocupado posições políticas relevantes no passado. Entre outros, o arcebispo Desmond Tutu, que presidiu a Comissão de Reconciliação da África do Sul; Gro Brutland, ex-primeira-ministra da Noruega, e Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda; Jimmy Carter, que dispensa apresentações; e Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU. Com exceção deste último, todos os mencionados fizeram parte da missão ao Oriente Médio, a qual eu liderei.</p><p>As esperanças de um acordo de paz na região reapareceram graças à ação internacional e especialmente ao empenho do presidente Obama. O presidente americano tem dito reiteradamente que os Estados Unidos querem um acordo baseado na existência de dois Estados soberanos, ambos sediados em Jerusalém, com a aceitação das fronteiras existentes antes da guerra de 1967. Naquele ano, Israel tomou territórios ao Egito (Faixa de Gaza) e à Jordânia (Cisjordânia), considerados territórios árabe-palestinos.</p><p>A solução pacífica, entretanto, não é simples. E as condições para viabilizá-la são hoje mais complexas do que eram uma década e meia atrás, quando se firmaram os Acordos de Oslo, que previram a solução dos “dois Estados” e estabeleceram as bases legais da Autoridade Palestina, embrião do futuro Estado palestino.</p><p>Atualmente, cerca de 50% dos territórios palestinos na Cisjordânia estão ocupados por assentamentos de colonos israelenses. A Faixa de Gaza, de onde até recentemente os palestinos disparavam foguetes contra Israel, está submetida a um cerrado bloqueio. Mesmo o ingresso de alimentos depende da boa vontade do governo israelense. A alternativa são os túneis por onde passa o contrabando, não só de comida, mas também de armamento, que os israelenses dizem não estar diminuindo.</p><p>Na Cisjordânia, nos últimos anos, sob a justificativa de proteger os seus colonos de ataques terroristas, Israel vem construindo muros altíssimos ou eletrificados e inúmeras barreiras de vigilância. Os transtornos causados produzem um permanente estado de angústia e ódio nas populações palestinas. Para complicar, a política de colonização está sendo levada para dentro das cidades, como há pouco em Jerusalém, com a desocupação de casas habitadas por famílias árabes.</p><p>O governo de Israel justifica a política de ocupação alegando razões de segurança. Não apenas do Estado, mas dos cidadãos israelenses, ainda atemorizados com atentados de homens-bomba, patrocinados pelo Hamas, em anos passados.</p><p>A ascensão do Hamas, além de aumentar a percepção de risco à segurança de Israel e dos israelenses, produziu dois interlocutores do lado palestino, que se antagonizam internamente e não falam a mesma linguagem nas suas relações externas, em geral, e com Israel, em particular. O Fatah, herdeiro de Yasser Arafat, tem autoridade sobre os territórios não ocupados na Cisjordânia, reconhece o Estado de Israel e repudia práticas terroristas, que adotou no passado. O Hamas controla Gaza, não reconhece estatutariamente Israel e vê resistência onde os israelenses enxergam terrorismo.</p><p>Shimon Peres, a quem conheço e admiro há muitos anos, ex-primeiro-ministro e hoje presidente de Israel, aponta essa cisão interna como um dos grandes obstáculos à paz, tanto maior pelo apoio que Irã e Síria emprestam ao Hamas. Peres refuta a acusação de que haja um cerco israelense a Gaza. Afirma haver fornecimento regular de comida, o que é referendado pelo presidente da Autoridade Palestina, Abu Abbas, ligado ao Fatah. E diz ser frequente o atendimento de habitantes de Gaza em serviços de saúde de Israel.</p><p>Para Abbas e o primeiro-ministro palestino, Salom Fayyad, com quem estivemos em Ramallah, o fortalecimento da Autoridade Palestina passa pelas eleições marcadas para janeiro de 2010. O próprio pleito, porém, é motivo de controvérsia, a julgar pela conversa telefônica que tive com Ismael Haniyeh, dirigente máximo em Gaza, e pelo encontro com Abdul Dweik, ex-presidente da Assembleia palestina, e dois colegas seus, todos recém saídos de prisões palestinas controladas pelo Fatah. O Hamas exige que centenas de líderes seus sejam libertados a tempo de dedicar-se à campanha eleitoral. Mais ainda, querem garantias de que a comunidade internacional respeitará os resultados, quaisquer que sejam.</p><p>Nesse contexto, como manter as esperanças na solução do conflito?</p><p>Há dois elementos que podem mudar o quadro em favor da paz. O primeiro é a pressão internacional, capitaneada pelos Estados Unidos, se for suficientemente forte para levar os contendores à mesa de negociação. A ação resoluta do enviado especial de Obama, senador George Mitchell, tem mostrado a disposição americana de não ceder frente aos “falcões” do governo israelense. Por outro lado, há indicações de que a solução dos “dois Estados” poderia ser aceita pelo Hamas.</p><p>O segundo e principal elemento é a reação das pessoas comuns, movidas por um misto de ceticismo, pelas inúmeras tentativas fracassadas, e necessidade de crer que algo deve ser feito para recriar um horizonte de esperanças. Conversamos, sem exagero, com centenas de cidadãos palestinos e israelenses. Vimos, em Bil’in a resistência pacífica dos palestinos em cujas terras passaria um muro. Mas vimos, também, um exemplo de cooperação em nível local, entre Wadi Fukin, aldeia palestina, e Tzur Hadassah, aldeia israelense vizinha, ambas abeberando-se das mesmas fontes de água. E ouvimos vozes jovens, ora vítimas dos foguetes palestinos, ora das coerções israelenses, com a firme disposição para um “basta!”. Conhecemos empresários israelenses que investem e estão dispostos a investir mais na Cisjordânia. Em suma, há elementos subjetivos e objetivos que tornam a paz um sonho possível.</p><p>Oxalá, ou como dizem por lá, Inch’Allah! Mekavé!</p>